É muito comum nos enganarmos ao utilizarmos certas palavras, em particular quando falamos em público, e em nosso caso na Igreja, nas pregações ou quando ministramos momentos de oração. Se o vocabulário no dia-a-dia é difícil, os termos religiosos também nos colocam dificuldades, por isto precisamos estar “afiados”, ampliando o nosso conhecimento. Diante do grande número de palavras e expressões peculiares à religião, a nossa dificuldade está no hábito de ouvi-las ou lê-las e supor que as entendemos ou então nos fazemos indiferentes ao seu inteiro significado.
Um dos obstáculos está na falta, entre os leigos e parte do clero, do conhecimento do grego e do latim, línguas que deram origem a inúmeras palavras em várias áreas do conhecimento humano e em particular, na Igreja. Nos colégios católicos e nos seminários o estudo dessas línguas era obrigatório até a poucas décadas atrás, mas foi deixado de lado, lamentavelmente. A Bíblia, muitos sabem disto, foi escrita em grego e depois traduzida para o latim, daí a necessidade de se conhecer ambas para melhor entender a origem, a evolução histórica e o significado de inúmeras palavras que ouvimos nas homilias, ou encontramos nos textos e livros religiosos.
Palavras como ambão, credência, turíbulo, âmbula, pala, corporal, por exemplo, são de domínio dos sacerdotes, dos ministros extraordinários da Eucaristia e muitos leigos mais ligados à liturgia, mas não para o povo. Vocábulos como anáfora, anamnese, doxologia, embolismo, epiclese, (todas estas com sua origem na língua grega) têm seu significado pleno pouco conhecido mesmo entre leigos afeitos à liturgia.
Observando isto coloco algumas destas palavras pouco conhecidas, sem o propósito de erudição, mas como estímulo e auxílio à compreensão do vocabulário religioso católico, palavras de difícil localização até mesmo nos dicionários especializados - nem sempre ao alcance de todos os fiéis.
Vejamos então, os vocábulos acima citados, a começar da mais complexa:
Anáfora – grego, repetição de palavra ou palavras. A grande oração Eucarística compreendendo:
1. a oração de ação de graças, o Prefácio (Na verdade é justo e necessário, é nosso dever dar-vos graças...) e o louvor a Deus três vezes Santo;
2. a Epiclese, em que se pede ao Pai que envie o Espírito Santo para tornar o pão e vinho em Corpo e Sangue de Jesus Cristo (...santificai as oferendas que vos apresentamos...);
3. relato da Instituição (na noite em que ia ser entregue, Ele tomou o cálice...);
4. a Anamnese, a memória da Paixão, Ressurreição e volta gloriosa de Cristo Jesus (Celebrando agora a memória de vosso Filho...);
5. Intercessões, em que a Igreja exprime a Eucaristia sendo celebrada em comunhão com toda a Igreja do céu e da terra, com os pastores da Igreja, o Papa e os Bispos do mundo inteiro.
Nota: na medicina a anamnese, é o histórico, tudo o que o paciente se recorda desde o início dos sintomas de uma doença e que permite ao profissional chegar ao diagnóstico final.
Doxologia – grego, doxa, glória, fama, esplendor; doxazein, glorificar a Deus. Breve oração de ação de graças, louvor e glorificação; fórmula de benção que encerra cada uma das cinco partes dos Salmos.
A pequena doxologia: a oração ‘Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo’;
doxologia final: o ”Vosso é o reino, o poder e a glória...”, que o povo responde logo após a oração privativa do celebrante livrai-nos de todos os males, ó Pai... – o embolismo do Pai Nosso;.
A grande Doxologia: encontra-se na celebração do Natal: “Glória a Deus no mais Alto dos céus...” (Mt 2,14) e também no louvor que conclui a Oração Eucarística: “Por Cristo, com Cristo...”.
Embolismo – grego, derivado de emballein, colocar em, inserir, intercalar, adicionar; a palavra se aplica a duas áreas:
1. Na linguagem eclesial, na Missa: na Oração Eucarística, entre a Oração do Pai Nosso e a Fração do Pão, é o desdobramento, ou desenvolvimento, do último pedido do Pai Nosso, privativo do celebrante: Livrai-nos de todos os males, ó Pai, e dai-nos hoje a vossa paz ..., ou seja, uma oração de libertação do poder do mal.
2. no Calendário: o termo indica a diferença dos dias entre o ano lunar de 354 dias e o ano solar de 365.2922 dias; no ciclo lunar Alexandrino de 19 anos, adicionou-se sete meses, um a cada 2º, 5º, 8º, 11º,13º, 16º, 19º ano (embolístico), cada ano embolístico tendo 13 meses lunares, ou 384 dias, conforme o ano judaico. O ano embolístico era determinado pelo sinédrio judaico, não por análise astronômica, mas de maneira irregular segundo as estações do ano e suas variações.
Nota: No aspecto ltúrgico o Embolismo pode datar dos primeiros séculos, sob várias formas, encontradas na sua maioria nas igrejas orientais, particularmente na liturgia da Igreja Síria; as liturgias gregas de S. Basílio e S. João Crisóstomo, contudo, não a contêm. A Igreja Romana fazia ligação a uma petição de Paz na qual inseria os nomes da Mãe de Deus, S. Pedro, S. Paulo e S. André (encontrado no Sacramentário Gelasiano); durante a Idade Média as ordens religiosas e igrejas provinciais adicionavam os nomes de seus patronos, santos e fundadores, a critério do celebrante.
É interessante notar que outras palavras tão comuns na Igreja há duas ou três décadas, caíram em desuso, mas sendo muito ricas precisam ser relembradas e transmitidas. Campanário, p. ex., é algo que encontramos em muitas igrejas, nos templos católicos, e os mais jovens não sabem o que precisamente é, o que contém e a que se destina:
Campanário – A alta torre, originalmente construída anexa às igrejas, onde se colocam os sinos. O nome da província italiana de Campânia deu origem à palavra e se incorporou à linguagem religiosa como sinônimo de “sinos”. Atribui-se a S. Paulo de Nola, no ano 400, e ao Papa Sabino (604-606), serem os primeiros a utilizarem os sinos para chamar os fiéis para as celebrações; no séc. VI os monges do Monte Cassino (fundado por S. Bento) passaram a produzir as “campanas”, nome para qualquer sino de bronze fundido com propósitos religiosos. Por muito tempo ss sinos eram abençoados e ungidos, ou “batizados”, com nomes de santos e seus doadores eram considerados padrinhos e madrinhas.
Curiosidade: a famosa torre inclinada em Piza na Itália, foi originalmente construída para ser o grande campanário da Catedral dessa cidade.
E das vestes litúrgicas como amito, burel, cíngulo e manípulo, quem ainda se lembra?
Amito – latim, amictus, pequena manta. Nos paramentos a veste de formato quadrado ou oblongo, de linho, que cobre os ombros do sacerdote, usado sob a alva e a casula, originalmente para protege-los do contato com a pele e na atualidade para cobrir a gola da camisa comum, ou outra veste. Originalmente o amito cobria também a cabeça do sacerdote.
Burel - Termo que designava o hábito feito de tecido rústico, grosseiro, dos monges e dos primeiros franciscanos.
Cíngulo – latim, cingulum, cintura. O cordão com o qual o sacerdote aperta a alva na cintura e que os padres e bispos usam-no, mas não os diáconos; seu uso foi aprovado desde o séc. IX e seu caráter litúrgico aparece nas orações ao colocá-lo: Cinge-me, ó Senhor, com o cinto da pureza, e simboliza a vigilância espiritual. Até o final da Idade Média era feito com fitas de seda com aplicações e bordados e hoje é simples, feito de tecido de algodão ou seda e deve ser abençoado para o seu uso. Algumas ordens religiosas recebem uma benção especial e em circunstâncias especiais como a do Cordão de S. Francisco e o cíngulo de Santo Agostinho, indulgenciados pela Igreja por indicar profissão de fidelidade e compromisso a um Instituto particular.
Manípulo – latim, do radical manus, mão. Acessório dos paramentos, feito do mesmo tecido e cor da casula e colocado sobre o braço do celebrante, usado de forma secundária para enxugar o suor do rosto e, por isso, era conhecido também como sudário, suor. (Não se deve confundi-lo com o manustérgio, toalha em que o sacerdote celebrante enxuga as mãos, após purificá-las, no rito do Ofertório da Santa Missa).
E se alguém nos perguntasse onde poderia encontrar paralipômenos, o que responderíamos? Quem respondeu “na farmácia de manipulação” errou, mas quem afirmou “Na Bíblia, no Antigo Testamento” acertou, pois este é o nome grego dado ao Livro das Crônicas (1º e 2º). Esta palavra complicada significa “coisas deixadas de lado” posto que no texto hebraico este Livro é considerado como um suplemento aos Livros de Samuel e Reis.
Merecem nossa atenção duas palavras aplicadas à Virgem Maria que aparecem em sua forma original grega, Parthenos e Theótokos. Vejamos o que significam:
Parthenos – virgem. Na versão grega dos Setenta corresponde à tradução da palavra hebraica almah, jovem, moça (do oráculo profético de Isaías 7,14, “a virgem conceberá”) e que a Tradição cristã antiga aplicou à Maria, mãe de Jesus;
Theótokos – Mãe de Deus. Título teológico concedido à Mãe de Jesus.
Finalizando, dirijo-me aos irmãos e irmãs da RCC em especial, para falar de uma palavra grega pouco conhecida no Ocidente: yourodivye ou “loucos-em-Cristo”, aplicada na Igreja oriental, Ortodoxa, aos seus santos carismáticos, os que viveram intensamente como portadores da graça de Deus, como São Calínico de Cernica (+1868), S. Joanico (+1944) e o “velho” Jorge (+1918). (A Promessa do Pai, Henryk Paprocki, p. 108).
Fica o convite a todos para explorarem de modo incansável o inestimável tesouro do extenso vocabulário religioso cristão.
Bibliografia:
PAPROCKI, HENRYK. A Promessa do Pai – A experiência do Espírito Santo na Igreja ortodoxa. São Paulo: Edições Paulinas, 1993.
NEPOMUCENO, LICIO – Religicionário – Dicionário compreensivo de Termos Religiosos. Ainda não publicado.