Apresentamos, a seguir, a catequese que o  Papa Bento XVI dirigiu hoje aos fiéis reunidos para a audiência geral  na Praça de São Pedro. A catequese de hoje continua o ciclo sobre a  oração.
 Queridos irmãos e irmãs:
Eu gostaria de começar meditando sobre  alguns salmos que formam o “livro de oração” por excelência. O salmo no  qual eu gostaria de me deter é um salmo de lamentação e de súplica,  imbuído de uma profunda confiança, no qual a certeza da presença de Deus  é o fundamento da oração que se produz em uma condição de extrema  dificuldade do orante. Trata-se do salmo 3, que a tradição judaica  atribui a Davi no momento em que ele foge de Absalão (cf. vers. 1). É um  dos episódios mais dramáticos e sofrentes da vida do rei, quando seu  próprio filho usurpa o trono real e o obriga a abandonar Jerusalém para  salvar a vida (cf. 2 Sam, 15 ss). A situação de angústia e de perigo  experimentada por Davi é o pano de fundo desta oração e uma ajuda para a  sua compreensão, apresentando-se como a situação típica em que um salmo  é recitado. No grito do salmista, todo homem pode reconhecer estes  sentimentos de dor, de amargura, e ao mesmo tempo de confiança em Deus,  que, segundo a narração bíblica, acompanhou Davi em sua fuga da cidade. O  salmo começa com uma invocação ao Senhor.
 “Ó, Senhor, como são numerosos meus  adversários! São muitos os que se erguem contra mim; muitos dizem a meu  respeito: 'Deus não vai lhe dar a salvação!'” (v. 2-3).
 A descrição que o salmista faz da sua  situação está marcada, portanto, por tons fortemente dramáticos. Ele  afirma três vezes a ideia da multidão - “numerosos”, “muitos”, “muitos” –  que, no texto original, se realiza com a mesma raiz hebraica, para  destacar mais ainda a enormidade do perigo, de forma repetitiva, quase  maçante. Esta insistência no número e grandeza dos inimigos serve para  expressar a percepção, por parte do salmista, da desproporção total  existente entre ele e seus perseguidores, uma desproporção que justifica  a urgência da sua petição de ajuda: os opressores são muitos, têm o  controle da situação, enquanto o orante está sozinho e indefeso, à mercê  dos seus agressores. E a primeira palavra que o salmista pronuncia é  “Senhor”; seu grito começa com uma invocação a Deus. Uma multidão surge e  se levanta contra ele, provocando-lhe um medo que aumenta a ameaça,  fazendo-a parecer ainda maior e terrível; mas o salmista não se deixa  vencer por esta visão de morte, mas mantém firme sua relação com o Deus  da vida e é a Ele a quem se dirige, em primeiro lugar, buscando sua  ajuda.
 No entanto, os inimigos tentam também  destruir este vínculo com Deus e destruir a fé da sua vítima. Estes  insinuam que o Senhor não pode intervir, afirmam que nem Deus pode  salvá-lo. A agressão, portanto, não é somente física, mas afeta também a  dimensão espiritual: “Deus não vai lhe dar a salvação” – dizem –,  agredindo o núcleo central da alma do salmista. É a última tentação que o  crente sofre, a tentação de perder a fé, a confiança na proximidade de  Deus. O justo supera a última prova, permanece firme na fé, na certeza  da verdade e na confiança plena em Deus. Assim encontra a vida e a  verdade.
 Parece que o salmo nos afeta  pessoalmente: são muitos os problemas em que sentimos a tentação de que  Deus não me salva, não me conhece, talvez não tenha a possibilidade; a  tentação contra a fé é a última agressão do inimigo e devemos resistir a  ela porque assim nos encontramos com Deus e encontramos a vida.
 O salmista do nosso salmo está chamado,  portanto, a responder com fé aos ataques dos ímpios: os inimigos, como  comentei, negam que Deus possa ajudá-lo, mas ele, no entanto, o invoca, o  chama pelo seu nome – “Senhor” – e depois se dirige a Ele com um “tu”  enfático, que expressa uma relação firme, sólida e recolhe em si a  certeza da resposta divina: “Mas tu, ó Senhor, és minha defesa, és a  minha glória, tu que ergues a minha cabeça. Quando com minha voz eu  invoquei o Senhor, ele me respondeu do seu santo monte” (v. 4-5).
 A visão dos inimigos desaparece agora,  não venceram porque quem crê em Deus está certo de que Deus é seu amigo:  resta somente o “Tu” de Deus; aos “muitos” se contrapõe somente um, mas  que é muito maior e potente que muitos adversários. O Senhor é ajuda,  defesa, salvação; como escudo, protege quem confia n'Ele, fazendo-o  levantar a cabeça com gesto de triunfo e de vitória. O homem já não está  só, os inimigos já não são tão imbatíveis como pareciam, porque o  Senhor escuta o grito do oprimido e responde do lugar da sua presença,  do seu monte santo. O homem grita na angústia, no perigo, na dor; o  homem pede ajuda e Deus responde.
 Este entrelaçar-se do grito humano e da  resposta divina é a dialética da oração e a chave de leitura de toda a  história da salvação. O grito expressa a necessidade de ajuda e  interpela à fidelidade do Deus que escuta. A oração expressa a certeza  de uma presença divina que já se experimentou e na qual se acreditou, e  se manifesta plenamente na resposta salvífica de Deus. Isso é  importante: que, na nossa oração, esteja presente a certeza da presença  de Deus. Assim, o salmista que se sente assediado pela morte, confessa  sua fé no Deus da vida que, como escudo, o cerca com uma proteção  invulnerável; quem pensava estar perdido pode levantar a cabeça porque o  Senhor o salva; o orante, ameaçado e humilhado, está na glória porque  Deus é a sua glória. A resposta divina que acolhe a oração dá ao  salmista uma segurança total; termina também o medo e o grito se aquieta  na paz, na profunda tranquilidade interior: “Eis que me deito e durmo, e  me acordo, pois o Senhor me sustenta. Não tenho medo da multidão de  gente que se lança contra mim de todo lado” (v. 6-7).
 O orante, inclusive no meio do perigo e  da batalha, pode dormir tranquilo, em uma atitude inequívoca de abandono  confiante. Ao seu redor, os adversários acampam, assediam-no, são  muitos, erguem-se contra ele, zombam dele e procuram derrubá-lo, mas  ele, no entanto, se deita e dorme tranquilo e sereno, certo da presença  de Deus. E, ao despertar, encontra Deus ao seu lado, como guardião que  não dorme (cf. Sl 121,3-4), que o segura pela mão, que não o abandona  jamais. O medo da morte é vencido pela presença d'Aquele que não morre. É  justamente a noite, povoada de medos ancestrais, a noite dolorosa da  solidão e da espera angustiante, que se transforma: o que evoca a morte  se converte em presença do Eterno.
 À visão do assalto inimigo, enorme,  imponente, contrapõe-se a invisível presença de Deus, com toda a sua  invencível potência. E é a Ele a quem, novamente, o salmista, depois das  suas frases de confiança, dirige sua oração: “Levanta-te, Senhor,  salva-me, ó Deus!” (v. 8a). Os agressores “se levantavam” contra a sua  vítima, mas quem, no entanto, “se levantará” é o Senhor, e o fará para  destruí-los. Deus o salvará respondendo ao seu grito. Por isso, o salmo  termina com a visão da libertação do perigo que mata e da tentação que  pode fazer-nos perecer. Depois da petição dirigida ao Senhor para que se  levante e nos salve, o orante descreve a vitória divina: os inimigos,  que, com sua injusta e cruel opressão, são símbolo de tudo o que se opõe  a Deus e ao seu plano de salvação, são derrotados. Atingidos na boca,  não poderão agredir mais com a sua violência destrutiva e não poderão  insinuar o mal da dúvida sobre a presença e a ação de Deus: seu falar  insensato e blasfemo é desmentido finalmente e reduzido ao silêncio pela  intervenção salvífica de Deus (cf. v. 8bc). Assim, o salmista pode  concluir sua oração com uma frase com as conotações litúrgicas que  celebra, na gratidão e no louvor, o Deus da vida: “Do Senhor é a  salvação. Sobre o seu povo desça a sua bênção!” (v.9).
 Queridos irmãos e irmãs, o salmo 3 nos  apresenta uma súplica repleta de confiança e consolo. Rezando este  salmo, podemos fazer nossos os sentimentos do salmista, figura do justo  perseguido que, em Jesus, encontra seu cumprimento. Na dor, no perigo,  na amargura da incompreensão e da ofensa, as palavras do salmo abrem o  nosso coração à certeza consoladora da fé. Deus sempre está perto –  escuta, responde e salva do seu jeito. Mas é necessário saber reconhecer  sua presença e aceitar seus caminhos, como Davi fugindo humilhado do  seu filho Absalão, como o justo perseguido do Livro da Sabedoria, como o  Senhor Jesus no Gólgota. E quando, aos olhos dos ímpios, Deus parece  não intervir e o Filho morre, então é quando se manifesta a todos os  crentes a verdadeira glória e o cumprimento definitivo da salvação. Que o  Senhor nos dê fé, nos ajude na nossa fraqueza e nos torne capazes de  crer e de rezar em toda angústia, nas noites dolorosas da dúvida e nos  longos dias de dor, abandonando-nos com confiança n'Ele, que é o nosso  “escudo” e a nossa “glória”.
 Obrigado.
 No final da audiência, Bento XVI saudou os peregrinos em vários idiomas. Em português, disse:
 Queridos irmãos e irmãs,
 Na “escola da oração” que temos vivido,  juntos, nestas catequeses de quarta-feira, desejo hoje dar início à  meditação sobre alguns dos cento e cinquenta salmos bíblicos, que formam  o livro de oração por excelência. Vimos agora o Salmo 3, uma súplica  cheia de confiança e consolação. No perigo, no sofrimento, na amargura,  as palavras deste salmo abrem o coração à certeza reconfortante da fé.  Quem pensava que já estava perdido, pode levantar a cabeça, porque o  Senhor o salva. A resposta divina, que acolhe a oração, dá ao salmista  uma segurança total. O medo da morte é vencido pela presença d’Aquele  que não morre. Deus está sempre perto, mesmo nos períodos escuros da  vida. Mas é preciso saber reconhecer a sua presença e aceitar os seus  caminhos, como fez Jesus no Gólgota. E mesmo quando parece, aos olhos  dos ímpios, que Deus não interveio porque deixou o Filho morrer na Cruz,  então é que se manifesta, para todos os crentes, a verdadeira glória e a  realização definitiva da salvação.
 Amados peregrinos de língua portuguesa, a  minha saudação amiga para todos, desejando que este Salmo três lhes  sirva de portal na sua peregrinação a Roma: da infinidade de coisas –  tantas vezes duras – da vida, aprendam a elevar o coração até o Pai do  Céu, repousando no seio da sua infinita bondade, e verão que as dores e  aflições da vida lhes farão menos mal. Sobre todos, e extensiva aos  familiares e comunidades eclesiais, desça a minha bênção apostólica.
quinta-feira, 10 de novembro de 2011
Diego Tales



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