Era véspera de Natal do ano de 1944 e o  mundo sofria sob os terrores da Segunda Guerra Mundial que já se  estendia por cinco anos. Pio XII dirigiu uma mensagem aos fiéis que foi  ao mesmo tempo de conforto e de exortação a respeito de questões  relacionadas ao conflito. Um dos assuntos principais foi a democracia.  Ele esclareceu que a democracia de fato só é possível por meio de homens  conscientes de seus deveres e direitos, de sua liberdade unida ao  respeito da liberdade e da dignidade dos demais.
 “O povo vive e se move com vida própria.  [...] vive da plenitude da vida dos homens que o compõe, cada um dos  quais em seu próprio posto e à sua maneira, é pessoa consciente de suas  próprias responsabilidades e suas próprias convicções”, disse o Papa.
 O que coloca a democracia em risco são os  aglomerados amorfos (massas) suscetíveis à manipulação.  Massa, definiu  o Sumo Pontífice, é “joguete fácil nas mãos de um qualquer que explore  seus instintos e impressões, disposta a seguir cada vez uma, hoje esta,  amanhã aquela outra bandeira”. Ou seja, são pessoas que não agem  verdadeiramente como sujeitos  conscientes e livres.
 Na edição passada, refletimos sobre como a  compreensão de liberdade equivocada tem levado muitos a violarem a  própria dignidade sem darem-se conta. Julgam que são livres, mas são  escravos.
 Em nome da liberdade, o ser humano tem   feito mal a si mesmo e ao próximo. Só para ficarmos como um exemplo  muito ilustrativo: a liberdade é invocada até mesmo para a defesa do  assassinato. Não é esse o discurso de grupos que sem pudor algum  defendem a ideia maligna de que é lícito o assassínio de crianças no  ventre materno? Dentro dessa concepção, a liberdade nada mais  é do que   serva da cultura de morte.
 A fé católica entende que liberdade, esse  valor que distingue o que é povo e massa, não se confunde com o direito  de se fazer o que quer que seja, mesmo o mal, contanto que agrade:
 “A liberdade verdadeira é um sinal  privilegiado da imagem divina no homem. [...] Exige, portanto, a  dignidade do homem que ele proceda segundo a própria consciência e por  livre adesão, ou seja, movido e induzido pessoalmente desde dentro e não  levado por cegos impulsos interiores ou por mera coação externa. O  homem atinge esta dignidade quando, libertando-se da escravidão das  paixões, tende para o fim pela livre escolha do bem e procura a sério e  com diligente iniciativa os meios convenientes.”
 Se é possível entendermos a liberdade sob  essa perspectiva, orientada para Deus, é porque “a fé esclarece todas  as coisas com luz nova.”  Também a compreensão do conceito de povo é  ampliada ao receber as luzes da fé. A dignidade do ser humano - criado à  imagem de Deus - é tamanha que ele é chamado a fazer parte não apenas  de um povo circunscrito a  determinado lugar. À luz da Revelação Divina,  sabemos que todos os homens são convocados a fazerem parte do Povo de  Deus. Como prometemos na edição passada, é sobre esse povo de  características singulares que vamos refletir um pouco.
As características do Povo de Deus
 As características do Povo de Deus
Pela fé sabemos que Deus escolheu Israel  para ser o seu povo, manifestando-se a Si mesmo e os desígnios da Sua  vontade na história dele. Tudo como preparação da Aliança nova e  perfeita, que seria concluída em Cristo. Esta nova Aliança instituiu-a  Cristo no seu Sangue, chamando um povo, proveniente de judeus e pagãos, a  juntar-se na unidade, não segundo a carne, mas no Espírito. 
 Esse povo se distingue de todos os  agrupamentos religiosos, étnicos, políticos ou culturais da história.  A  primeira distinção é a sua pertença a Deus.  A condição para se  ingressar nele é o  nascimento do Alto, da água e do Espírito, isto é,  pela fé em Cristo e pelo Batismo.
 No coração das pessoas que pertencem a  essa raça eleita, como num templo, reside o Espírito Santo que as leva a  viverem na dignidade da liberdade dos filhos de Deus. Elas vivem a “lei  nova” e agem tendo por base o mandamento novo dado pelo Senhor, de amar  como Ele nos amou. 
 Todos os que são habitados pelo Espírito  têm uma missão da qual não podem se furtar: ser sal da terra e luz do  mundo. E que consolador: aqueles que desse povo fizerem parte têm por  destino o Reino dos Céus, o qual, começado na terra pelo próprio Deus,  se deve dilatar cada vez mais, até ser consumado no fim dos séculos.
 A Igreja é esse povo reunido na unidade  do Pai e do Filho e do Espírito Santo, na definição de São Cipriano, e o  mandato missionário impulsiona-nos a buscarmos outros que ainda estão  de fora: “Ide, pois, fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os  em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a observar  tudo quanto vos mandei” (Mt 28, 19-20).
Ser massa, ou povo?
 Ser massa, ou povo?
E nesse ponto podemos refletir sobre  nosso chamado de vivermos e difundirmos a Cultura de Pentecostes. Se nos  debruçamos sobre essas questões é porque devemos assumir como nossa a  angústia de Cristo diante das multidões errantes e prostradas “como  ovelhas sem pastor" e para repetir suas palavras "tenho compaixão desta  multidão".  E, também, para pensarmos com realismo sobre nossas vidas e  atividades missionárias. Temos vivido como povo? O que temos feito para  que as pessoas façam parte dele, tal qual concebido pelo Senhor, na mais  total autenticidade?
 Temos acesso às multidões, como Jesus  tinha e, felizmente, testemunhamos verdadeiras conversões em nosso meio,  mas sabemos que podemos aprimorar nosso serviço ao Senhor. Por isso,  são pertinentes alguns questionamentos: com que frequência as pessoas  que vêm até nós são motivadas apenas pelo nome da banda ou do pregador  famosos; ou pela necessidade de algum milagre? Pessoas que sempre  “precisam de impulso de fora”?
 Aqueles que buscam a solução para os seus  problemas em algum ambiente nosso estão passando por um processo de  metanoia, conversão genuína? É preciso que pensemos seriamente sobre  isso, porque se em nosso meio, ano após ano, ainda existem aqueles  irmãos que vivem de evento em evento em busca do extraordinário, sem  assumir os valores do Evangelho, certamente algo está errado.
 Afinal, a evangelização visa à mudança  radical de vida, individual e coletiva.  A força do Evangelho deve  modificar “os critérios de julgar, os valores que contam, os centros de  interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos  de vida da humanidade, que se apresentam em contraste com a Palavra de  Deus e com o desígnio da salvação”.  
 Meta elevada, sabemos,  mas essa é a  proposta do cristianismo. Não podemos nos conformar. Estar na mesma  forma. É preciso que estejamos dispostos a influenciar as realidades que  nos cercam a partir de nós mesmos. “Não vos conformeis com este mundo,  mas transformai-vos pela renovação do vosso espírito (Rm 12.2).
 Quanto mais vivermos e levarmos outras  pessoas a viverem como autêntico Povo de Deus, mais e mais o mundo  viverá o que Jesus ensinou.
 No coração das Massas 
 Jamais, na história do cristianismo,  tivemos tantos meios para chegar às pessoas. Hoje, ouvimos falar de  encontros cristãos católicos ou de outras denominações cristãs que  reúnem multidões impressionantes. Os cristãos do Brasil estão ocupando  lugares nas mais diferentes mídias que se têm à disposição em nossos  tempos e isso é muito bom. 
 Mas o mundo está mais cristão? Os  ensinamentos de Jesus Cristo estão sendo conhecidos e vividos de  verdade? Lembremos que o Senhor, ao enviar os seus discípulos,  ordenou-lhes que ensinassem os povos a observar tudo o que Ele lhes  havia lhes  dito: amor a Deus e ao próximo, perdão, pobreza, mansidão,  simplicidade, renuncia, doação de vida ... Nada pode ser omitido. A esse  respeito Bento XVI nos advertiu: a mensagem evangélica não  pode ser  “selecionada” para dar audiência, ser popular.
 “Antes de tudo, devemos estar cientes de  que a verdade que procuramos partilhar não extrai o seu valor da sua  “popularidade” ou da quantidade de atenção que lhe é dada. Devemos  esforçar-nos mais em dá-la a conhecer na sua integridade do que em  torná-la aceitável, talvez a mitigando. ”
 Como é fácil encontrar pessoas que  recebem o Anúncio, até se emocionam, gostam das músicas cristãs, mas não  estão dispostas a viver as renúncias da fé.  Como temos lidado com  isso? Estamos criando mecanismos para formar as pessoas na reta  doutrina, para “aprofundar, consolidar, alimentar e tornar cada dia mais  amadurecida a fé daqueles que se dizem já fiéis ou crentes, afim de que  o sejam cada vez mais”?
 Se temos tido contato com multidões e  elas, ao saírem de nossa presença, continuam relativistas, selecionando  os aspectos da fé que mais lhes agradam, se levam uma vida sem  considerar os Mandamentos, se ignoram os ensinamentos de Cristo e de Sua  Igreja, precisamos pensar seriamente a respeito.
 Aqui entra o papel do pastoreio, como um  esforço para que as ovelhas fiquem no aprisco, protegidas dos tantos  lobos que as cercam. O pastoreio insere a pessoa em uma nova cultura; em  nossa linguagem habitual: na Cultura de Pentecostes. É preciso  despertar nelas a consciência de que fazem parte deste povo singular.   Que desejem ir para a Igreja, ao Grupo de Oração, porque sabem o que  significa fazer parte do Corpo do Senhor. E que elas próprias possam ser  também propagadoras da Mensagem.
 Para que isso aconteça, é preciso cuidar,  amar, ouvir, ensinar, formar. É preciso ter paciência, também, porque  essa mudança geralmente requer dedicação perseverante. É missão nossa  trabalhar para que grupos sem identidade, sem forma, sejam transformados  em Povo Deus.
 Povo esse que se manifestou ao mundo no  dia de Pentecostes e mudou o rumo dos acontecimentos da humanidade.   Aqueles homens e mulheres da primeira hora do cristianismo encararam os  desafios de seu tempo com coragem. Quando necessário derramaram o  próprio sangue, que foi “semente de novos cristãos”. Eis uma história  verdadeira e bonita, que mostra qual deve ser a postura do povo que leva  o nome do Altíssimo.
 História cara a todos nós que nos  sentimos chamados a ser “rosto e memória” de Pentecostes. Certamente  conhecê-la melhor nos fará perceber por que temos de lutar “pelo nosso  povo e nossa religião” (Mac 3, 43) Assunto para a próxima edição.
Lúcia V. Zolin 
Coordenadora Nacional da Comissão e Ministério de Comunicação
Grupo de Oração Divina Misericórdia
Coordenadora Nacional da Comissão e Ministério de Comunicação
Grupo de Oração Divina Misericórdia
domingo, 22 de janeiro de 2012
JESUS C. 'FONTE DE ÁGUA VIVA'




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