Nem se assuste. Não é de química que vou falar. Não tenho como dar uma de professor versado nos mais variados reagentes e naquelas fórmulas sem fim. Falo de outro radical e de outra liberdade.
Olhando superficialmente, diríamos que vivemos na era radical. É radical o esporte, são radicais os carros, as vestimentas, as posturas, os comportamentos e escolhas. É radical até aquela “coisa” genérica e indefinida que leva os jovens à expressão: “Radical, meu!”
Um olhar mais atento verá que esta radicalidade, escondida no perigo dos esportes, na esquisitice dos carros e vestimentas, no inusitado das posturas e comportamentos, no extremismo das escolhas é, no fundo, uma busca desesperada pela verdade.
Além de fuga e ilusão, nesta radicalidade, há de tudo, menos liberdade. Nela vê-se um homem centrado em si mesmo, em posturas de aparente coragem de enfrentar qualquer desafio e, no fundo de si mesmo, um mal disfarçado medo de encarar a realidade do vazio interior.
Nada contra esta postura radical. No entanto, tudo seria muito diferente - radicalmente diferente – se resolvêssemos encarar um outro tipo de radicalidade para encontrar um outro tipo de liberdade – a única que pode ter este nome. Refiro-me à corajosa e livre radicalidade libertadora e vivencial do Evangelho. Perdoem-me os professores de português pelo excesso de adjetivos, mas o que quero dizer é isso mesmo: a corajosa e livre radicalidade libertadora e vivencial do Evangelho.
Comecemos com o “corajosa”. Esta radicalidade requer coragem. E, se você quer saber, creio que a coragem de viver a radicalidade do Evangelho será uma virtude cada dia mais necessária para nós, católicos. Basta dar uma olhada no que aconteceu no Brasil nos últimos tempos com relação à moral e à fé:
1. aprovação da utilização de embriões congelados (porém vivos!) para que sejam mortos em pesquisas, como aqueles ratinhos ou sapinhos de laboratório dos quais tantos ecologistas radicais costumam ter pena, em favor dos quais tantos naturalistas lutam;
2. aprovação por esmagadora maioria (só 3 foram contra!) do aborto de fetos anencéfalos por parte do Conselho do Ministério da Saúde;
3. aprovação da não necessidade da mulher apresentar-se no hospital munida de boletim de ocorrência que comprove o estupro para fazer o aborto. Agora basta que ela declare que foi estuprada e o médico é obrigado por lei a proceder ao assassinato da criança. Simples assim.
Basta olhar estes fatos, considerados “progresso” para logo ver que todos os que quiserem viver a radicalidade do Evangelho (aliás, tem como viver o Evangelho sem ser com radicalidade?) vão precisar de muita, muita coragem. Embora nem todas estas medidas estejam definitivamente aprovadas, a coisa tende a ficar cada vez mais preta para quem ama a verdade e o próximo, para quem ama a Deus e à vida. Haja coragem!
Vamos ao “livre” da corajosa e livre radicalidade libertadora e vivencial do Evangelho. Ou esta radicalidade é livre, ou não é radicalidade. Isso é: ou você abraça o Evangelho e o vive em sua radicalidade como fruto de uma experiência pessoal com Jesus Cristo Vivo, isto é, ou você a abraça como prova de amor e livre entrega de gratidão a Ele, ou não tem jeito. Argumentos humanos não vão convencê-lo de entregar-se livremente à radicalidade evangélica. Nos esportes radicais, há vários argumentos humanos e pressões sociais que levam a pessoa a arriscar a vida em saltos sem pára-quedas ou a despencar em um abismo amarrado por um cabo de aço. Na radicalidade do Evangelho, a liberdade vem do amor de Deus experimentado e do amor a Deus ofertado. É uma opção livre e corajosa pelo tudo.
Tudo! Eis a palavra chave da radicalidade. “Quero tudo!” disse Santa Teresinha. Quem ama a Deus de verdade, também quer tudo, aceita tudo, acolhe tudo, contanto que seja feita a vontade de Deus em sua vida e na vida de todos os homens e da criação inteira, que “sofre e geme em dores de parto aguardando a manifestação dos filhos de Deus”, como diz São Paulo.
Radicalidade é tudo querer, tudo acolher, tudo viver, sem meias palavras, sem panos mornos, sem disfarces de argumentos humanos, sem “mas”, sem “porém, no meu caso”, sem mentiras, sem disfarces, sem mornidão, sem relativismos. Ou é, ou não é. O sim tem que ser sim. O não tem que ser não. E pronto.
E a caridade? Não seria falta de caridade as coisas serem assim tão... radicais? A caridade é a verdade. O Evangelho também. Simples assim.
É exatamente por ser a verdade que o Evangelho é libertador. A verdade liberta. No entanto, precisa ser, antes, conhecida como verdade, como ela é, sem nuances nem disfarces. Jesus é claro quanto a isso. Disse: “Conhecereis a verdade” para completar, em seguida: “e a verdade vos libertará”. O mundo dissemina suas mentiras contrárias ao Evangelho por todos os meios possíveis: a mídia, a arte, a legislação, os lobbies, associações e organizações, outdoors, conversas e outros recursos sem fim. Faz conhecer sua mentira e a reveste de argumentos humanos lógicos, convenientes, convincentes e de legalidade civil. Quanto aos que vivem a radicalidade do Evangelho, bem... a estes, além da coragem, do livre amor a Jesus e à Sua Palavra, além da radicalidade, têm como maior propaganda a vivência.
Por isso, a radicalidade é, também, vivencial. Para convencer, o Evangelho tem de tornar-se vida. Seria bom, maravilhoso, um sonho, termos uma mini-série sobre Madre Teresa, sobre o Santo Padre, para dar somente dois exemplos. O índice de audiência seria, creio, bastante alto. Mas não há dinheiro para isso. Nem interesse. Há uma fila de investidores e patrocinadores à espera de um minuto de merchandising na novela das oito, mas não sei se um só dentre eles estaria disposto a apoiar ou financiar uma produção sem merchandising, onde se propagasse a verdade do Evangelho.
Assim sendo, meu caro, nossa propagação da verdade parece restringir-se à vivência de cada um que ama Jesus e está livre e corajosamente disposto a dar a vida por Ele e ser considerado escória por aderir à radicalidade evangélica. Há os grupos, claro, as comunidades, as congregações, (e, escreva o que digo, cada vez mais precisaremos delas para sobrevivermos às pressões externas contra a vivência do Evangelho). Mas nossa tendência é sempre dizer: “Deixa a comunidade tal lutar por isso. Não tenho nada com esta história. Deixa a Igreja comprar esta briga”, e tirarmos o corpo fora.
Estarmos restritos à vivência leva-nos, aparentemente, a um fracasso diante do gigantismo da mídia e do avanço do anti-evangelho, como uma gotinha no oceano, certo? Errado! Erradíssimo! Há, na livre e corajosa radicalidade libertadora e vivencial do Evangelho (minha coleção de adjetivos!) uma qualidade radical: ela é libertadora! Libertadora de quem a vive, que, de tanto ser amado por Deus e de tanto querer amar em troca, vive a tranqüilidade que o mundo não consegue perturbar com facilidade.
A força libertadora da vivência radical do Evangelho, mesmo que escondida, ultrapassa toda fronteira. O poder libertador desta vivência que é fruto da ação da graça de Deus atinge, de uma forma misteriosa e divina, o mundo inteiro. A criação, que aguarda ansiosamente e a gemer como em dores de parto a manifestação dos filhos de Deus, é misteriosamente atingida pelo poder libertador da vivência da radicalidade evangélica por parte dos filhos no Filho.
Como? Não sei. Mas constato e creio. Creio no fermento que leveda toda a massa. Creio nos incontáveis e pequenos martírios do dia a dia, na negação de si mesmo e de seu próprio prazer para viver a radicalidade evangélica. Creio na força extraordinária daqueles que, unidos ao Crucificado, deixam-se crucificar nas diárias renúncias de amor, nos escárnios diante de sua defesa da verdade. Creio no poder inexplicável da solidão de quem coloca a verdade do Evangelho acima do ser bem aceito pelos outros. Creio no sangue de Cristo derramado por sua livre e corajosa radicalidade libertadora e vivencial do Evangelho.
Por Ele e nEle, o mal já foi vencido. Coragem!
Maria Emmir Nogueira
Co-fundadora da Comunidade Shalom ,
Comunidade Católica Shalom
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